18 julho 2015

Arely A Mensageira - Capítulo 10: Saber

Louis e os Bruxos olhavam os restos despedaçados dos sequestradores.

Sandman conjurara uma bola de fogo e brincava com ela, jogando-a de uma mão para outra, mas apesar disso, seu rosto rejuvenescido carregava uma expressão raivosa e vingativa. Sabri pegou um pedaço de fígado com a ponta dos dedos, enrugou o nariz e o deixou cair; inútil para ser usado na magia. Jabez chutou um coração para longe de seus pés, tão inútil quanto.

— O pior é que não dá pra aproveitar nada... — Sabri falou num muxoxo. Louis abriu e fechou as mãos diversas vezes.


— Eu falei que estávamos demorando muito para pegá-la. — balançou a cabeça, irritado. — Eles deviam tê-la levado para nós imediatamente. Enrolar tanto... — parou de falar quando Sabri parou diante de si. Podia ter sido escolhido por Savino para liderar a Guerra com sua morte e vencido a prova imposta para tal, mas Sabri ainda era o primeiro Bruxo.

O fato do garoto ser mais baixo que Louis não diminuía a autoridade do Bruxo.

— Ainda não tínhamos transporte para fora do país por negligência sua, Louis. Você sabe que portais para a Catedral demoram muito para abrir nas Américas. Tínhamos de sair com ela para outro país com mais portais e que demoram menos para abrir assim que a pegássemos, para ter tempo de corrompe-la enquanto esperávamos um portal. Pegá-la antes disso, corríamos o risco de ele encontrá-la ainda ontem, já que ele sabe onde você mora. Mesmo sendo no terreno de uma família; ele só não entrou ainda por não querer uma guerra no meio da cidade. Mas sem dúvida enviou alguém para falar com seus empregados para saber sobre alguma garota levada desacordada pra lá. Se você não tivesse demorado para preparar o transporte, já estaríamos longe daqui com ela. — a voz do garoto estava preenchida com raiva, e seu tom deixava claro que, se Louis não tomasse cuidado com o que falasse, Sabri ia mostrar sua face de Bruxo.

Jabez colocou-se entre os dois, estranhamente sério.

— Brigar entre nós não vai ajudar. Além disso, Sabri, você mesmo cuidou para que os sequestradores tivessem total cobertura de seus rastros. — olhou para o irmão e então para Louis. — Desconfio que quem contou o local para eles foi o mesmo Anjo que te impediu de hipnotizar Arely.

— Só pode ter sido ele... — ouviram Sandman se pronunciar pela primeira vez. Quando olharam, viram o Bruxo brincando de colocar fogo nas tripas dos homens mortos enquanto pegava um coração parcialmente inteiro. — Por causa desse fracasso, vai demorar até outra chance de capturá-la aparecer. Eles vão ficar mais atentos... Tenho certeza de que Adrien irá providenciar proteções espirituais, para nos impedir de descobrir onde ela está através do plano espiritual. Só nos resta assistir e esperar a ocasião certa. — esmagou o coração que estava em sua mão, até que ele entrasse em chamas que escapavam por entre seus dedos.

O cheiro de acre de carne queimada fez Louis torcer o nariz e sair antes dos Bruxos, deixando para eles a tarefa de se desfazerem dos restos humanos.



— Como aquelas coisas aconteceram com ela? — quem fez a pergunta foi Allan, sentado na mesa da cozinha de frente para Adrien, que bebia café quente. O herdeiro dos Carvalho ignorava a xícara diante dele, o cheiro o deixando enjoado por causa de como tinham encontrado Arely: seu estômago ainda se remexia só de lembrar, a ânsia de vômito subindo e só piorando com cheiros fortes. Ele não era o único que queria saber.

Antes de responder, o mais velho deixou a xícara em cima da mesa, cruzando os braços e se inclinando contra o encosto da cadeira, apoiando-a em apenas dois pés.

— Louis. Ele provavelmente entrou na mente dela e fez sabe-se lá o que. — fez uma pausa, começando a gesticular enquanto falava — Vejam bem, ferir alguém em sonhos “fere” o espírito, que é a nossa parte presente no mundo espiritual, que nos permite ter pressentimentos, sonhar e todo o mais. Só que Arely estava isolada, o espírito estava confinado ao plano material, ao corpo dela. Por causa disso, não apenas o espírito, mas a carne também foi ferida. Por isso os ferimentos... — fechou os olhos, jurando talvez pela centésima vez que Louis ia pagar por aquilo. Não havia dúvidas de que o Vampiro socara a garota: uma marca entre roxo e amarelo ganhara destaque em sua bochecha esquerda, o formato dos dedos finos do Vampiro contra a pele branca. A única coisa que ela poderia fazer para evitar perguntas – especialmente dos pais – era maquiagem. Muita maquiagem. Mesmo a capacidade de cura acelerada dos Mensageiros não adiantaria de muito, julgando que o corpo dela estava no limite devido ao coquetel de drogas e tortura mental.

Ouviu Ruby trincar os dentes quando ela se levantou e saiu da cozinha, provavelmente indo ver como a amiga estava. Allan permaneceu em silêncio, digerindo os últimos dias em sua cabeça, ainda incerto do que tudo aquilo significava, tanto no passado quanto nas possibilidades do futuro.

— O que houve com ele? — Adrien mal percebeu Allan fazer a pergunta, mas quando percebeu, ficou estático por alguns segundos, o rosto parecendo uma mescla de surpresa e desentendimento. Até que sorriu, e então começou a gargalhar de forma amarga, como alguém rindo da própria desgraça.

— Savino aconteceu com ele. Savino. — parou de rir, o olhar se perdendo pelas árvores que via do outro lado da janela aberta.

Perguntou-se, talvez pela centésima vez, como as coisas entre ele e o irmão tinham mudado tanto nos poucos anos após o ataque à sua vila natal. E como tinham mudado pouco nos quinhentos anos seguintes.



Havia algo de estranho naquele cenário. Era como um Dejá vu... Como se já tivesse visto a cena, mas algo mudara, embora não soubesse o que, exatamente. Adrien e Louis ainda brigavam, mas a luta... Estava mais selvagem e havia um diálogo, embora ela perdesse partes dele, como um CD riscado.

— Como pôde...?! — a voz de Adrien estava preenchida com ódio, e Arely xingou por não ouvir o resto da pergunta, mas era óbvio que, o que quer que acontecera, o culpado era Louis.

O rapaz de olhos vinho-tinto pulou para trás numa velocidade estranha: rápida, mas Arely pensou tê-lo visto em câmera lenta. Ele ergueu o rosto, sorrindo vitorioso e sarcástico, os dentes pontudos manchados de sangue.

— Talvez porque você...! — ela perdeu a última parte, e notou que sentia-se tonta. Adrien rosnou, os dentes de lobo aparecendo e avançando na direção de Louis.

— Foram eles que mataram o pappa! Como queria isso?! — foi a única coisa completa que ouviu, e sentiu-se enjoar de repente.

Algo estava errado com ela. Seus olhos embaçaram por alguns instantes, e quando voltaram ao normal, tudo estava em tons de vermelho. Encurvou-se, a mão apertando o abdome. Algo nela doía, embora não soubesse o que. Algo nela estava mudando.

E tão de repente como começara, a dor passou.

Voltou a ajeitar sua postura. Algo nela mudara. Sentia-se... Poderosa, de uma forma estranha; como se uma palavra bastasse para curvar o mundo ao seu redor. Olhou para os dois rapazes brigando, sentindo falta dos olhos bronze-derretido de Adrien.

Gritou para que parassem. Os dois a olharam. Louis parecia orgulhoso, e Adrien parecia se lamentar.

Falou longamente. Não sabia dizer o que, ficou repentinamente surda. E quando terminou de falar, sentiu-se sorrir malignamente; suas mãos se mexeram, apertando algo. E então, uma dor a invadiu, se espalhando desde o abdome, algo líquido e quente escorrendo através de seus dedos e das roupas brancas que a cobriam.

E acordou.



Sentou-se na cama num pulo. Olhou ao redor, desesperada, sentindo o suor que a cobria como uma segunda pele, fazendo a camisola de algodão grudar-se a ela, assim como o cabelo grudava em seu rosto e pescoço. Pinicava e fazia coçar.

Não reconheceu o quarto simples e com poucas coisas onde estava. Não era o seu quarto. Não tinha o armário embutido, a prateleira cheia de livros e seus materiais de desenhos, desenhos emoldurados ou fotos de quando era pequena, sequer as caixas de CDs com seus vídeo-games do lado do computador. Ou melhor, sequer o computador.

Jogou as pernas para fora do colchão, um choque percorrendo seu corpo quando os pés descalços encostaram no azulejo frio. Ficou de pé, sentindo as pernas querendo ceder; fechou os olhos e respirou fundo, dizendo para si mesma que era mais forte que aquilo e que suas pernas iam lhe obedecer, para em seguida levantar as pálpebras e dar um passo em direção à janela fechada. Tudo rodou, mas Arely era teimosa o suficiente para apenas encostar a mão direita na parede e dar mais um passo na direção da janela.

Suspirou de alívio ao chegar ao retângulo, estranhando o objeto não ser de vidro, como a maioria das janelas existentes no estado inteiro. Deu de ombros, destrancando-a e abrindo-a, contemplando um jardim gramado, um tanto amarelado pela falta de água, junto de árvores que começavam a deixar folhas amareladas caírem e outras que começavam a dar flores amarelas e roxas. Sorriu inconscientemente ao ver o jardim, e uns cinco ou seis metros, talvez mais ainda, à frente, percebeu outro muro com janelas, como se fosse outra casa dentro do mesmo terreno — duas tias suas moravam com as famílias em algo semelhante em São Paulo, no terreno que o avô dela tinha construído décadas atrás.

Ouviu risos, e se inclinou por cima do batente para tentar enxergar a fonte. Sorriu ao ver umas sete crianças brincando de esconde-esconde. Deduziu que eram parentes por quatro delas terem os cabelos ruivos.

Ficou ali, distraída, vendo as crianças brincarem e lembrando da própria infância, que não fora tão diferente: brincava de esconde-esconde e pega-pega com os primos, em meio às árvores da cidade do interior de São Paulo onde costumavam passar as férias até ela mudar de cidade. Foi na mesma época que conheceu Natasha, pois estudavam na mesma sala, e passou a estudar no mesmo colégio que Arwen, a prima quatro anos mais velha, mas que sabia ser mais criança que ela própria. Sílvya entrou para o grupo dois anos depois, transferida de outro colégio por mudar de casa. Dois anos mais velha que Arely, só tinham se conhecido e travado amizade porque salvara a garota de ser atropelada na saída da escola quando a loira tinha sido empurrada acidentalmente para o meio da rua.

Estava tão distraída que só percebeu que Ruby estava parada ao seu lado quando a ruiva abraçou-a pelos ombros de forma que só podia ser identificada como “Aliviada ao extremo por você estar bem”.

— Que bom que você já acordou! — Ruby afastou-se, as mãos nos ombros da garota, um enorme sorriso nos lábios. Arely só pode sorrir de volta, a mão direita se erguendo para segurar uma das mãos da Lycan. — Como está se sentindo?

Arely piscou para Ruby, tirando as mãos da garota de seus ombros e segurando-as nas suas, ainda sorrindo.

— Um pouco cansada, mas bem... — olhou ao redor, antes de novamente fixar o olhar em Ruby. — É a sua casa? — soltou a mão da amiga, voltando a olhar pela janela, contemplando as mesmas crianças de antes, correndo na direção do ponto na parede considerado o “pique”. Ruby parou ao seu lado, um sorriso brincando nos lábios enquanto olhava o mesmo cenário.

— Sim, é a minha casa... O resto da família costuma se reunir aqui também... Por isso, tem duas construções no terreno. Aquela, do outro lado, é onde moro com meus pais e meu irmão, além de ter uma sala bem espaçosa pra família almoçar nos domingos ou pra festas de aniversário... Onde estamos, tem alguns quartos que meus primos e tios usam quando dormem aqui, além da cozinha e da sala de estudos. — virou o rosto para Arely, sorrindo. — A criançada costuma passar a semana aqui, estudando...

— A cozinha fica num prédio separado? — Arely piscou, surpresa. Ruby riu.

— É... Ela é bem espaçosa, já que geralmente são quatro ou cinco pessoas se movendo por ela... E é meio que “ao ar livre”... — fez aspas com os dedos, olhando na direção da porta. Alguns segundos depois, esta abriu-se e Allan e Adrien entraram.

O primeiro piscou, parecendo surpreso por vê-la de pé, enquanto Adrien deu um suspiro de alívio por ela parecer estar bem, seguido de um sorriso que ela considerou opaco.

Enquanto olhava para Adrien, Arely sentiu tudo que a atormentara desde que acordara inchar em sua mente. Ela se lembrava de ter visto os três antes de desmaiar. Lembrava de ter visto Adrien transformar-se em algo impossível. Lembrava de Ruby levantando-a como se não pesasse nada.

Baixou os olhos, incerta sobre o que perguntar, exatamente. Simplesmente não sabia por onde começar. Sequer tinha certeza do que vira.

Ainda assim, vê-lo de perto, ao vivo e em cores, depois de tanto tempo de conversas somente em sonhos — que parte dela achava que eram somente sonhos, mesmo... Era desconcertante. Ele parecia mais alto, talvez porque não estivessem sentados lado a lado. E ela percebeu também o cheiro que vinha dele — selvagem, antigo, como se ela tivesse entrado em mata virgem, algo que os sonhos não traziam. E ela lembrava bem daquele cheiro, das caminhadas por entre restos de mata atlântica na mesma cidade do interior onde quase se afogara. Era um cheiro quase como casa para ela, o que a fez ter vontade de correr para longe: não podia simplesmente abraçá-lo e enfiar a cabeça em seu pescoço só para trazer mais ainda as lembranças felizes de sua infância.



Adrien percebeu quando ela baixou o olhar cheio de insegurança, e só conseguia imaginar a quantidade de perguntas que ela tinha. Colocou uma mão em seu ombro e ela ergueu o rosto, embora ainda parecesse tentar se esconder atrás do cabelo.

— Hei, Ly. — ela sorriu, muito levemente. Ele sentiu um certo aperto ao lembrar das conversas que tinham tido em sonhos, lembrando do quanto ela fora sincera ali. Esperava que, agora que estavam cara a cara, ela não se intimidasse, ainda mais depois do que vira. Ela tinha de saber que estava segura com eles. — Vou responder todas as suas perguntas, e eu sei que você tem um monte delas. Mas acho melhor você se arrumar antes. — soltou o ombro dela, colocando as mãos nos bolsos da jaqueta jeans, muito mais surrada que a antiga, o preto num tom de cinza em certos pedaços, as mangas irregulares: uma no ombro, a outra no cotovelo. — Aposto que está implorando por um banho e por comida...

Arely, discretamente, cheirou um pedaço do cabelo úmido de suor caído em seu ombro, fazendo uma careta ao sentir o cheiro.

— Você tem razão. Estou implorando por um banho. — resmungou, lançando um olhar para Ruby, que riu.

— Vamos. Allan, você pode pegar aquelas minhas roupas reservas e trazer pro banheiro? — a Lycan segurou o pulso de Arely e começou a puxá-la de leve para fora do quarto, sem forçar a garota, que ainda hesitava ao andar.

Seu irmão não respondeu, e Ruby não percebeu. Mas Adrien sim.

O Observador, discretamente, seguiu a trajetória que os olhos do Lycan mais novo tinham feito quando as duas garotas tinham saído. Ele parecia segurar a respiração, e Adriem riu internamente enquanto agradecia por não ser mais tão suscetível aos pensamentos da fera que não estavam relacionados a matar Vampiros e Bruxos; balançou uma mão na frente do rosto do jovem, os olhos encarando a porta, parecendo entre decidir se andava ou não atrás de quem saíra por ali. O outro Lycan suspirou de leve, desviando o olhar.

— Obrigado. — resmungou, esfregando o rosto. Olhou para Adrien, que segurava um sorrisinho. — Vai, pode falar. Pode me acusar de assediar a Arely com o olhar descaradamente. — as mãos mergulharam nos bolsos da bermuda. Adrien balançou a cabeça.

— Era o cheiro do medo que tinha ficado impregnado por causa do pesadelo, não era? — Allan balançou a cabeça afirmativamente.

Feras e seus sentidos deturpados de quando e como achar uma mulher atraente.

— Você teve sorte dela estar distraída com muitas outras coisas, senão teria sentido o seu olhar, e quero ver como você ia se explicar quando ela olhasse pra você. Não queira ver Mensageiros irritados.

— Era capaz de eu atacar a Arely se ela tivesse olhado pra mim com aqueles enormes olhos acusadores dela. Já vi antes e, caramba, você tem ideia de como a minha fera acha aquele olhar sexy? — foi franco, e Adrien piscou com uma mistura de surpresa e descrença.

— Sério? Comigo e a sua irmã aqui?

— Se você não tivesse balançado essa sua mão na minha cara... Era capaz da fera ganhar e eu sair correndo atrás da Arely e, sei lá... Minha fera ficou bem louca, quase não a reconheci. — Allan resmungou; o Observador achou que ele parecia constrangido com a reação que tivera à garota.

Suspirou com a fala de Allan. Não o culpava. Às vezes, as feras eram capazes de levar o Lycan à loucura com desejos pessoais muitas vezes dissonantes do lado humano. Equilibrar ambos os lados era difícil.

— Não garanto a segurança dela quando temos de protegê-la de nossas próprias feras, caso ela tenha pesadelos de novo... — Allan estalou a língua, as sobrancelhas levemente franzidas de preocupação. — O pior é que não é só o cheiro do medo... Existe realmente algo nela que atrai. Não os Lycans, mas as feras. Nosso lado humano parece quase imune. — Adrien observou Allan. O próximo Alfa dos Carvalhos tinha um pensamento lógico realmente admirável para perceber aquilo em tão pouco tempo. — O cheiro dela, principalmente de uns tempos pra cá, mudou... Antes era mais como o cheiro do amanhecer, com a terra e a grama molhadas de orvalho... Minha fera ficava alvoroçada, querendo correr e caçar e matar... Agora...

Adrien esperou. Ele também vinha tentando definir em que o cheiro de Arely se transformara quando seus poderes começaram a despertar. O cheiro de amanhecer não sumira, ainda estava ali, mas abaixo das camadas do novo cheiro. Era sempre assim com Mensageiros. O novo cheiro, de certa forma, indicava o seu futuro e a intensidade de seus dons quando eles começavam a surgir. Hayato era capaz de dizer a real capacidade de um Mensageiro apenas de farejá-lo quanto os poderes começavam a despertar, tamanha experiência tinha. Ele ainda não era capaz disso, embora tivesse certeza de que os poderes de Arely seriam mais intensos que os dos outros quatro Mensageiros que encontrara.

— É quente. — sussurrou, e Allan balançou a cabeça em afirmativa.

— Como fogo. As feras são atraídas para o brilho, como mariposas pela luz, mas se afastam ao sentir o calor. É exatamente assim com a Arely. O cheiro dela deixa esse rastro de terra queimada e calor...

— ALLAN, VOCÊ VAI TRAZER OU NÃO O QUE EU PEDI?!

O grito de Ruby, reverberando em seus ouvidos, interrompeu as divagações em que tinham mergulhado. Allan olhou para Adrien com uma pergunta no olhar, e o outro riu.

— Ela pediu para você pegar as roupas reservas dela e levar pro banheiro.

Allan parecia em pânico com a possibilidade de se aproximar tanto assim de Arely com nada além de uma porta de madeira e a própria irmã entre eles.

— Acho que vou ter de colocar uma focinheira e uma coleira... — Allan saiu do quarto, resmungando.

Adrien, por um instante, teve curiosidade de perguntar o que a fera do rapaz queria que ele fizesse, mas logo empurrou essa curiosidade de lado. Se a fera de Allan era metade da fera sádica que a sua própria, ele tinha uma boa ideia e era melhor não pedir detalhes.



— Eu não acredito que aquele lobo pulguento não ouviu o que eu disse... — Ruby resmungou após berrar para Allan, trancando a porta do banheiro assim que sua cabeça entrou de novo na suave névoa que a água quente tinha levantado.

— Disse alguma coisa? — Arely falou do outro lado do box, a voz levemente abafada pelo barulho da água.

— Nada importante! — respondeu, xingando-se pelo deslize. Tudo bem que a amiga ia ficar sabendo de tudo, exceto sobre o que era, já que Adrien achara que seria um choque muito grande em pouco tempo, logo. Mas não significava que acharia normal alguém ser chamado de lobo. Cachorro, talvez. Mas não lobo.

Arely não respondeu, ficando em silêncio até a hora que pediu para Ruby lhe passar um xampu, porque o do box estava vazio. Ruby revirou os olhos, imaginando qual primo teria de torturar para descobrir quem fizera a estúpida brincadeira de esvaziar o frasco na privada ou onde quer que fosse — ela mesma trocara aquele frasco no dia anterior por um cheio — enquanto abria o armário debaixo da pia, pegando o primeiro xampu na fila. Quase o entregou, até que percebeu que era o xampu anti-pulgas para filhotes que todos os Lycans tinham de usar até mais ou menos os doze anos — as feras ainda eram seres descontrolados, brincalhonas e infantis até essa idade, tendendo a fugir e a brincar com animais de rua. Nenhuma mãe queria ter de lavar lençóis cheios de pulgas. Suspirando, pegou o xampu normal e o entregou para Arely.

— Mana! Trouxe o que pedi! — a voz de Allan veio do lado de fora do banheiro. Suspirando, irritada, foi até a porta e abriu uma fresta. Não viu sinal do irmão, por isso, franziu as sobrancelhas, abrindo a porta mais um pouco e colocando a cabeça pra fora. Viu o irmão uns cinco passos ou mais distante da porta.

— Vem cá, trazer a roupa pra mim. — resmungou; Allan permaneceu no lugar, balançando a cabeça em negativa lentamente.

— Melhor você vir até aqui. A fera tá meio louca, nem eu tô reconhecendo. — Ruby piscou, incrédula de que seu irmão realmente dissera o que ela achava que tinha dito. Eles, juntos, faziam piada dos Lycans que tinha armado o circo por causa de Arely, mas ali estava ele, afirmando pra ela que, por causa de sua estúpida fera, acabara de entrar para aquele clube.

Xingando, saiu do banheiro, deixando a porta aberta deliberadamente, arrancando as roupas das mãos de Allan e voltando em seguida.

O Lycan não falou nada, só imaginou em quantas línguas diferentes ela o xingara, antes de ir para o jardim.



Os quatro estavam sentados num canto sombreado do jardim, Arely vestida com uma camiseta larga que lhe chegava aos joelhos e calças cujas barras tinham sido dobradas diversas vezes até que a garota não tropeçasse ao andar; aquela foi a primeira vez que ela realmente notou o quão mais alta Ruby era que ela. O cabelo ainda estava úmido, enrolado em cima de um ombro, e apoiava a cabeça num dos ombros da amiga.

Adrien teve de parar de falar algumas vezes para beliscar o braço de Allan — cujo olhar em momento algum tinha se desviado de Arely —, lembrando a fera do outro quem era o mais velho ali e que ela devia se comportar; quando o beliscão não bastava, Ruby rosnava para o irmão como a própria fera faria para repreender um filhote. Apesar disso, Adrien conseguiu explicar tudo que tinha decidido que era pertinente que a garota soubesse no momento.

Arely agora sabia que Louis era um Vampiro, que Bruxos existiam e queriam provocar o fim do mundo, que ela estava, naquele instante, na casa-sede de um clã de Lycans, e que ele próprio era um Lycan, mais especificamente um Observador, encarregado de não permitir que as Portas do Inferno se abrissem, e que Ruby era aprendiz dele. Falou um pouco sobre os Drachens, mas concentrou-se em falar que eles tinham fundado os Observadores; achou melhor deixar de fora a parte que um quinto dos maiores ricaços e intelectuais do planeta eram seres sobrenaturais capazes de se transformarem em dragões. Contou também do antigo laço de sangue que ele e Louis compartilhavam — embora não tenha contado nada sobre Elizabeth, sobre Gabriel e muito menos sua idade real — e sobre a morte da avó dela; quanto ao último tópico, já tinham dado sugestões de como contornar o acontecimento ao falar com seus pais: Ruby tinha ido a casa dela buscar uma troca de roupa para Arely, porque ela dormiria lá, e encontrou a velha morta. Chamou o IML, mas não contou a Arely nem ligou para seus pais na hora, para não estragar o fim de semana de nenhum deles.

— Então... — a garota começou quando ele terminara. — O que exatamente Louis queria comigo? Quer dizer, segundo você, ele tentou controlar minha mente antes. Além disso, ele apareceu na minha mente de novo... Falou algo sobre eu ter poderes que iam despertar quando eu fizesse dezesseis anos, mas que despertaram antes... Perguntou sobre... Visões e todo o mais... Queria que eu matasse alguém... Mas o que exatamente ele queria? Ou melhor, o que ele quer?

Adrien permaneceu impassível por fora, mas por dentro praguejou em todas as línguas que tinha aprendido contra Louis. Ele devia estar muito confiante, de fato, para perguntar sobre aquelas coisas para Arely.

Anjos, porque os poderes dela tinham de despertar antes do tempo? Não tinha ideia de como lidar com a garota adequadamente, cara a cara, sabendo o quanto os dons dela a influenciavam agora.
Olhou para o alto pensando sobre como desviar-se daquilo, torcendo para que seu sexto sentido lhe lançasse alguma luz. Não teve essa sorte: quem a teve foi Ruby.

— Não sabemos direito... Vampiros pensam diferente de nós... Talvez seja algo relacionado aos Demônios... — a Lycan falou, começando a trançar as mexas castanhas de Arely. Adrien percebeu-se soltando o fôlego que tinha prendido.

— É como Ruby disse... Provavelmente é algo assim... — Adrien sorriu, vendo a garota piscar para ele, as sobrancelhas franzidas indicando confusão. — Mas não se preocupe, nós vamos proteger você... Ele não vai conseguir te capturar de novo... — estendeu a mão, tirando a franja da testa de Arely, torcendo para que seu esgotamento fosse o suficiente para ela não perceber a mentira.


Arely sorriu de leve, confiando no sorriso de Adrien, de que ele iria protegê-la.

Ainda seria um pouco difícil aceitar que Lycans, dragões — Drachens, corrigiu-se mentalmente —, Vampiros e Bruxos existiam, mas saber que Ruby, Allan e Adrien estariam lá para protegê-la de Louis a confortava.

Também estava curiosa por saber qual a história exata que os gêmeos compartilhavam, mas tinha tato suficiente para perceber que Adrien não queria se aprofundar naquele assunto quando o mencionou.


Lembrou-se dos sonhos com Adrien e Louis. Imaginou se eles possuíam algum fundo de verdade, e algo nela sussurrava que sim.

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